PERIGOSAS ARMADILHAS
Eu adoro
motocicletas.
Mas o grande
número de acidentes graves e fatais envolvendo motociclistas nas cidades e
estradas brasileiras é uma prova de que, para motociclistas mal informados e
mal treinados, uma motocicleta é uma perigosa armadilha.
Isso não se
deve somente ao fato de que as motos não têm para-choques e carroceria, nem
cintos de segurança e airbags; ou mesmo ao fato de que elas têm uma relação
peso x potência que poucos automóveis têm. Isso faz as motocicletas exigirem
cuidados especiais dos seus pilotos, mas não as torna necessariamente uma
armadilha.
Todavia, certas
características do comportamento das motos em movimento fazem com que elas sejam
uma caixa de surpresas para muitos motociclistas, provocando acidentes com consequências
trágicas. Vários aspectos do
comportamento dinâmico das motocicletas não são intuitivos – e não conhecer e entender
este comportamento, e não aprender a usá-lo para pilotar a moto é um perigo.
A armadilha
começa assim – o comportamento de uma moto a baixa velocidade é muito parecido
com o comportamento de uma bicicleta.
Como quase
todo mundo aprendeu a andar de bicicleta quando criança, todo mundo, ao
experimentar pela primeira vez uma moto a baixa velocidade, fica com a impressão
que pilotar uma motocicleta não tem grandes segredos.
Porém, quando
se atinge velocidades acima das normalmente alcançadas pelas bicicletas, o
comportamento das motos se altera de forma radical, e surpreende a maioria dos
motociclistas.
O que equilibra
uma moto em movimento é o desenho de seu sistema de direção combinado com o
efeito giroscópico gerado por suas rodas girando a uma velocidade acima de
alguns quilômetros por hora. A mesma
coisa acontece com as bicicletas, que acima de cerca de 10 km/h se equilibram
sozinhas. As motos, devido ao seu maior peso, precisam de uma velocidade um
pouco maior – acima de cerca de 20 km/h.
A explicação
é um pouco técnica.
O desenho do
sistema de direção da motocicleta ou da bicicleta – sua geometria (especificamente
o ângulo de inclinação do garfo dianteiro em relação à posição vertical), faz
com que, ao inclinar a moto ou a bicicleta para um lado, a roda dianteira
automaticamente vire para aquele mesmo lado, numa tentativa de anular a inclinação
e reequilibrar a moto ou bicicleta.
É fácil
testar isso numa bicicleta. A uma velocidade não muito alta, tire as mãos do
guidão e, com o peso do seu corpo, incline a bicicleta para um lado. A roda
dianteira imediatamente vai virar para aquele lado, tentando reequilibrar a
bicicleta.
E o tal
efeito giroscópico, o que é? Uma roda, ao rodar, tem a sua massa submetida à
ação da força centrífuga. Isto significa que, do centro da roda para sua
extremidade uma força, proporcional à velocidade de rotação da roda, tenta
empurrar a massa da roda para fora. A ação da força centrífuga sobre a massa da
roda em movimento gera um efeito chamado efeito giroscópico. E a principal característica
do efeito giroscópico é tentar manter inalterado o plano de rotação da roda que
o está gerando.
É o mesmo
princípio físico que mantém um pião em pé enquanto ele estiver girando. A
“roda” do pião está num plano horizontal, paralelo ao solo, e enquanto estiver
girando acima de certa velocidade ela manterá este plano de rotação horizontal
– e o pião permanecerá em pé, desafiando a força da gravidade.
Isto também
se aplica a uma roda girando em um plano de rotação vertical em relação ao
solo. Enquanto tiver suficiente velocidade de rotação, a roda resistirá a mudanças
no seu plano de rotação vertical ao solo. É o que acontece quando rolamos uma
moeda por uma superfície plana (ela permanecerá em pé enquanto correr) ou
quando rolamos qualquer roda pelo chão (ela continuará em pé, rodando, até
perder velocidade e a força da gravidade superar o efeito giroscópico e a
derrubar).
O fato da
motocicleta, acima de certa velocidade, se equilibrar sozinha na verdade é muito
bom. Fica muito mais fácil aprender a andar de moto, especialmente se o
candidato a motociclista já souber andar de bicicleta.
Porém, a
velocidades mais altas, o efeito giroscópico gerado pelas duas rodas da
motocicleta torna-se tão forte que passa a atrapalhar o motociclista. O efeito
giroscópico das rodas começa a resistir às tentativas do motociclista de
inclinar a motocicleta – e realmente consegue dificultar muito essa tarefa.
Como para mudar
a direção de uma moto precisamos incliná-la na direção em que queremos seguir,
a velocidades mais altas o motociclista começa a enfrentar dificuldades para
mudar a direção da motocicleta ou para fazer curvas – exatamente na hora que
ele mais necessita que a motocicleta obedeça a seus comandos de direção com
rapidez e precisão.
E aí, para completar,
a armadilha se fecha por que a maneira mais fácil, rápida e precisa de se inclinar
uma motocicleta acima de 20 km/h, e iniciar uma mudança de direção ou curva, é
fazer pressão no guidão no sentido contrário à direção que queremos seguir – ou
seja, empregar a técnica do contra-esterço (countersteering, em inglês).
Para
inclinar a moto para direita, e iniciar uma mudança de direção ou curva para a
direita, deve-se inicialmente fazer pressão no guidão para virar a roda
dianteira para a esquerda – a moto imediatamente se inclinará para a direita, e
iniciará uma mudança de direção ou curva para a direita. Para inclinar a moto
para esquerda, e iniciar uma mudança de direção ou curva para a esquerda,
deve-se inicialmente fazer pressão no guidão para virar a roda dianteira a
direita– a moto imediatamente se inclinará para a esquerda, e iniciará uma
mudança de direção ou curva para a esquerda. É esquisito, mas é assim que
funciona – ao contrário!
A maneira
mais natural (ou menos contraintuitiva) de empregar o contra-esterço é empurrar
o guidão da moto com a mão correspondente à direção que queremos seguir – curva
para direita, a mão direita empurra o guidão para frente; curva para esquerda,
a mão esquerda empurra o guidão para frente.
Quase
ninguém sabe disso, uma vez que com bicicletas (devido à baixa velocidade que
alcançam e seu baixo peso) não é importante ou necessário empregar essa técnica,
apesar dela funcionar muito bem com as bicicletas também.
Assim, todo
mundo faz o que aprendeu desde criança quando está guiando um veículo – curva para
direita, virar para direita, curva para a esquerda, virar para a esquerda. Era
assim que funcionava com o triciclo, com o carrinho e com o patinete. É assim
que funciona com os automóveis, caminhões e ônibus. É assim até com os aviões.
E todos desenvolvem um poderoso reflexo condicionado – ir para
direita, virar para direita, ir para a esquerda, virar para a esquerda.
Agora imagine
a seguinte situação – um motociclista segue por uma estrada de mão dupla, na
sua pista e respeitando o limite de velocidade de 80 km/h. De repente, na pista
contrária, um automóvel resolve ultrapassar um caminhão, sem perceber a moto que
vem na direção oposta. Não dá para frear – o motociclista precisa desviar a
moto, o mais depressa possível, para o acostamento a sua direita. E, por
reflexo, vira o guidão para a direita. O que faz a moto se inclinar e
mudar a direção para a esquerda – para cima do automóvel e do caminhão!