100 anos atrás, pouco depois de sua invenção, dirigir um
automóvel era um esporte reservado a ricos aventureiros. Os ingleses e alemães
do início do século passado, com seus bonés xadrez, óculos de proteção e uma
charmosa echarpe no pescoço, percorriam os caminhos de então a bordo de
veículos que exigiam considerável conhecimento e habilidade para serem
conduzidos com sucesso.
Muito mudou nesses cento e tantos anos. Os automóveis
evoluíram, tornando-se muito mais práticos, seguros e simples de dirigir. Os
automóveis modernos são quase utensílios domésticos, uma máquina que quase todos
têm e sabem operar. As quatro rodas lhe conferem grande estabilidade estática e
dinâmica, e vários aperfeiçoamentos, como motores confiáveis, câmbio automático,
freios servo-assistidos eletronicamente controlados, e direção hidráulica, o transformaram
num produto extremamente bem sucedido e num dos pilares do desenvolvimento
econômico do século 20.
O automóvel, que antes era usado na prática de um esporte, passou
a ser usado como meio de transporte. Mesmo o automobilismo esportivo, que ainda
sobrevive, tem nos últimos tempos acentuado a tendência no sentido de diminuir
a importância dos pilotos em favor da tecnologia empregada – aerodinâmica,
eletrônica, monitoramento remoto do desempenho do carro de corrida, etc.
As motocicletas, logo após sua invenção, tiveram uma história
parecida. Pilotá-las era um esporte que exigia muito conhecimento e habilidade,
e, devido às suas características próprias, talvez demandassem ainda mais
perícia, e certamente sujeitavam o piloto a riscos maiores, que os automóveis.
Também as motocicletas evoluíram nesses 100 anos, mas sua
evolução foi um pouco diferente da dos automóveis. Tornaram-se, igualmente,
mais confiáveis, mais confortáveis, e mais práticas; todavia, continuam exigindo
muito conhecimento e habilidade para serem conduzidas com competência, e
continuam sujeitando seus pilotos a grandes riscos, sobretudo no trânsito das
grandes cidades e em estradas públicas.
O motociclismo continua sendo, até hoje, um esporte – e
talvez por isso seja tão apaixonante!
Motocicletas são como aviões: se o piloto não souber o que
está fazendo, elas acabarão caindo. Sua instabilidade intrínseca (são só duas
rodas), e sua grande capacidade de aceleração e frenagem, não impedem que sejam
usadas como meio de transporte; mas elas exigem de seus pilotos um nível de
conhecimento e habilidade – perícia – que é característico da prática de um
esporte. E de um esporte perigoso!
Este fato não é devidamente enfatizado.
As motocicletas são anunciadas e compradas como se aprender a
pilotá-las fosse muito fácil; e como se fosse possível a seus proprietários
adquirir a necessária perícia e experiência nas vias públicas, enfrentando o
trânsito de automóveis, caminhões e ônibus.
O processo de habilitação de motociclistas também adota esta
premissa. O exame teórico verifica principalmente o conhecimento das leis de
trânsito. O exame prático requer do candidato que mantenha a motocicleta
equilibrada; que percorra, a baixa velocidade, uma pistinha desenhada no
pavimento de um estacionamento ou de qualquer outra área pavimentada e deserta;
e que pare e saia novamente com a motocicleta. Conseguindo passar nestes dois
exames, ele receberá sua carteira de habilitação. Terá, então, autorização
legal para imediatamente pegar uma estrada e desfrutar do prazer de pilotar uma
moto em velocidade.
É quase como ensinar alguém a nadar jogando-o numa piscina
funda e o abandonando à própria sorte. Ou permitir que alguém aprendendo a pilotar um avião, com apenas instrução teórica sobre o funcionamento
dos controles e comandos e com pouca experiência prática, se aventure em seu
primeiro voo solo. Só para pegar o jeito...
Repito – motociclismo é um esporte! Não se deve pilotar uma
motocicleta pensando em suas obrigações do dia, ouvindo rádio, falando no
celular ou fazendo qualquer outra coisa que desvie a atenção da atividade de
pilotar a moto. Mais cedo ou mais tarde, e quase sempre mais cedo, vai dar
besteira!
As motocicletas podem e devem, devido às vantagens que
oferecem, ser usadas como meio de transporte.
Mas não se aventure a pilotar uma moto
nas ruas e estradas, enfrentando o trânsito de outros veículos, se não tiver recebido
instrução detalhada sobre seu comportamento dinâmico: o efeito giroscópico das
rodas, e sua influência no equilíbrio da moto; o countersteering (contra-esterço), que é a forma mais
precisa, rápida e fácil de mudar a direção de uma moto; a grande transferência
de peso para roda dianteira durante a desaceleração e frenagem, e como isso desestabiliza
a moto; a grande transferência de peso para roda traseira durante a aceleração,
e como isso estabiliza a moto; e o papel da roda traseira na mudança de direção
da motocicleta.
Só então, depois de ter tomado conhecimento destas
informações e técnicas, e de ter treinado o suficiente para desenvolver sua
habilidade, você terá a perícia necessária para se considerar um motociclista,
e poderá usar sua motocicleta como meio de transporte.